Tua aposta

By 21:01 , ,

Meses pra reparar que, certo dia cĂȘ acordou cansado de beijar tantas bocas diferentes e nunca ter um perfume familiar para onde voltar, e decidiu que ia tentar. Sair de casa e, ao invĂ©s de juntar os amigos para beber, entrar no primeiro cafĂ© que tivesse no caminho. E era lĂĄ que eu tava, nĂ© rapaz? 
IngĂȘnua, mal percebi o sorriso fĂĄcil que seus lĂĄbios distribuĂ­ram aos meus olhos, que, traĂ­ram a mim mesma e sorriram de volta. Porque vocĂȘ sabe, moreno, a gente nĂŁo precisa que os lĂĄbios mudem a forma para sorrir, os olhos sĂŁo tĂŁo mais competentes nessa tarefa que fizeram sem que eu percebesse. 
É, moreno, intercalando os olhos entre os teus e o jornal do dia, tomando cuidado para equilibrar a xĂ­cara de cafĂ© na outra mĂŁo, foi que cĂȘ tomou coragem e veio. Veio atĂ© mim com aquela sua bagagem repetitiva que vocĂȘ nĂŁo queria, jogou-a na minha mesa com a maior cara de pau, e eu, tola, nĂŁo soube ler tudo aquilo. Mas eu sou abraçar, moreno, ah, isso eu soube. Abracei toda tua bagunça desalinhada, cheia de prĂłs e contras que eu sequer tentei medir... Acho que, no fim, eu fiz mais que isso. NĂŁo foi apenas abraço, moreno, foi encontro. 
Foi encontro todo o dia enquanto eu ainda tentava me organizar na sua bagunça, ignorando qualquer protesto que meu subconsciente fizesse. O problema nĂŁo era sĂł eu nĂŁo ser adepta Ă  bagunça, era o fato de sua bagunça nĂŁo ser minha. Eu nĂŁo tinha de acolher aquele amontoado de problemas nĂŁo-resolvidos e perguntas sem respostas para mim, muito menos catalogĂĄ-los e dividir em pastas. Mas o fiz. O trouxe para mim porque acreditei na sua escolha, e pensei comigo mesma: bem, se meu coração o escolheu, o mĂ­nimo que devo fazer Ă© ajudĂĄ-lo com essa bagagem toda. JĂĄ que, sabe, nĂŁo hĂĄ lugar para bagunça no meu coração. 
Eu te escolhi, moreno, mas nĂŁo fui a escolhida. Eu fui o acaso, a coincidĂȘncia, a pessoa errada na hora certa. Podia ter sido eu, a ruiva na mesa prĂłxima, ou aquela atendente do cafĂ© com armação do Ăłculos alaranjada. Podia ter sido qualquer uma de nĂłs, moreno, e vocĂȘ teria jogado toda sua porcaria em quem fosse, esperando que essa pobre moça tomasse as decisĂ”es por vocĂȘ, ou melhor, decidisse dar um rumo Ă s suas incontĂĄveis interrogaçÔes. 
Ah, meu caro, eu sinto tanto por mim. Sinto tanto por ter reparado quando jĂĄ nĂŁo era mais possĂ­vel separar suas bagunças catalogadas de minhas certezas intituladas... era tarde de mais, moreno, eu havia acolhido tanto, que jĂĄ nĂŁo Ă©ramos mais heterogĂȘneos. E olhe sĂł, como se eu soubesse falar de quĂ­mica ou qualquer outra ciĂȘncia exata. 
Eu fui uma aposta, moreno, uma aposta sua consigo mesmo de que conseguiria passar mais de uma semana com o mesmo perfume e a mesma textura de lĂĄbios. Foi uma aposta que eu perdi sem mesmo estar no desafio, e vocĂȘ, ah, Ă© claro que ganhou. Me ganhou. Me ganhou sem sequer querer. Me fez te escolher quando vocĂȘ sĂł esbarrou em mim. 
Agora, com tanto esforço quanto pude reunir, foi que retirei tua bagunça das minhas certezas, mas estou certa de acabei esquecendo algumas. Um pouco da tua bagunça fica comigo, moreno, e um pouco de minha certeza deve ter caĂ­do sem querer no meio da tua mixĂłrdia. 
Cuida delas, moreno, enquanto eu vou seguir tentando tornar a bagunça que me restou, em certezas. Um dia elas serĂŁo, Ă© claro. E, por favor, tenha muita atenção na prĂłxima vez, rapaz, eu fui tola, mas as pessoas nĂŁo costumam ser. 
Eu fui sĂł uma aposta de vocĂȘ consigo mesmo, e, moreno, Ă s vezes a ficha demora a cair, a minha acaba de despencar.

— Bruna Barp



OBS: O texto em NADA tem a ver com a vida pessoal da autora. A situação e personagens sĂŁo apenas fictĂ­cios. 



Foto: We heart it

4 comentĂĄrios

  1. Nossa!Adorei o texto,muito bem escrito e tem uma fala intimista que prega a gente a cada linha.
    Muito bom.
    http://blogdamirez.blogspot.com/

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  2. Adorei o texto! E que blog mais amor!! <3
    Parabéns!
    Um beijo.
    www.viajantediaria.wordpress.com

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